Quando ele regressou de férias, encontrou o gabinete fechado à chave e, sem qualquer explicação, foi obrigado a estar durante dias sem nada para fazer, sentado numa secretária limpa no meio da sala onde estava a sua equipa e exposto humilhatoriamente ao olhar dos restantes trabalhadores da organização.
Depois de muito questionar, foi informado verbalmente que lhe iria ser instaurado um processo disciplinar por ele ter tomado decisões ilicitas que teriam lesado gravemente a empresa.
Não tardou em justificar as tais pretensas decisões, provando que só cumprira ordens do Director Geral.
O processo disciplinar ficou por ali e pensou que com esta clarificação o assunto se tinha resolvido, mas rapidamente verificou que o seu atrevimento de se defender alegando ordens superiores só tinha piorado a sua situação.
Percebeu que os seus anos de dedicação à empresa não eram valorizados e as tais pretensas irregularidades não passavam duma desculpa, concluindo que a verdadeira razão de tudo aquilo era que a sua recem nomeada directora queria colocar no seu lugar alguém da sua confiança.
Durante semanas continuou o tratamento vexatório, as ameaças, o corte de benefícios e as pressões para que pedisse a demissão.
Ao fim de alguns meses de martírio, o meu colega não resistiu e abandonou a empresa com uma pequena indemnização e um princípio de depressão para tratar.
Este foi um (entre muitos que, infelizmente, se passam em algumas organizações) caso evidente de assédio moral.
Este fenómeno, também conhecido como terror psicológico, psicoterror e "mobbing" (to mob significa agredir com violência em Inglês) pode ser sinteticamente definido como violência moral ou psicológica exercida em contexto organizacional, através de actos, atitudes ou comportamentos de violência moral ou psíquica, protagonizados por superiores hierárquicos, colegas ou subordinados, repetidos ao longo do tempo e que levam à degradação do exercício do trabalho em condições dignas, comprometendo, desta forma, a realização profissional e a saúde do colaborador.
Em termos concretos, trata-se da exposição deliberada de um ou mais colaboradores a situações profissionais constrangedoras e humilhantes, repetidas no tempo, com o objectivo de os desestabilizar e os forçar a abandonar a organização.
São mais comuns em culturas caracterizadas por relações hierárquicas autoritárias, em que prevalecem comportamentos desrespeitosos dos chefes em relação a seus colaboradores, com consequências emocionais negativas para estes.
As vítimas são isoladas, desacreditadas, ridicularizadas e hostilizadas perante os seus colegas, os quais, receosos de virem a ser acrescentados à "lista negra", se alheiam do que se está a passar.
Esta humilhação prolongada do assediado vai gradualmente fragilizando a sua auto-estima, danificando a sua dignidade, dificultando as suas relações sociais e provocando graves danos à saúde psicológica e mesmo física.
O desemprego, as depressões e, nos casos mais graves, o suicídio, são as consequências mais comuns.
Em Portugal, devido às limitações constitucionais ao despedimento sem justa causa, este fenómeno ganhou (apesar da nossa cultura de "brandos costumes") uma acuidade particular que levou a que a sua proibição ficasse consagrada no Artigo 24º do Código do Trabalho onde é definido como "todo o comportamento indesejado ... com o objectivo ou o efeito de afectar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador".
Convém realçar que estamos perante comportamentos ilegais, o que significa que não podem ser consideradas como assédio moral as actuações e ordens legítimas dadas a um colaborador como sejam, a exigência de cumprimento de deveres funcionais, o desconto de tempo por incumprimento injustificado de regras de assiduidade e pontualidade, o pedido de devolução de instrumentos de trabalho ou a solicitação de entrega documentação/relatórios justificativos da actividade.
Os ataques partem, em regra, da pessoa que exerce funções de chefia da vítima e que o faz por ela atrapalhar, por qualquer forma, os seus interesses do momento. Mas esta é apenas uma regra geral, sujeita a inúmeras excepções.
A primeira é que nem sempre o assédio é efectuado por um superior hierárquico. De facto, existem casos em que são colegas ou mesmo subordinados que protagonizam os ataques.
Isto é frequente em períodos de reestruturações com redução de efectivos em que se "conluiam" grupos para tramar uma vítima ou ainda no caso de admissões de novos elementos para grupos muito "rotinados".
A segunda excepção é que, mesmo sendo um ataque individual (em determinadas circunstâncias pode consubstanciar crime), o assediador consegue em muitos casos a cumplicidade de alguns colegas, a indiferença da maioria e a conivência dos gestores de topo.
Defendo, aliás, que é responsabilidade duma organização criar processos de prevenção deste tipo de situações, até porque, para além do risco de forte dano na imagem pública da empresa, o artigo 29º do Código do Trabalho refere que o assédio moral confere à vitima "o direito a uma indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais".
Não se pode dizer que o Assédio moral seja um fenómeno novo. Ele é tão antigo quanto as relações laborais.
A novidade reside numa maior intensificação e gravidade deste tipo de situações, provocado por um ambiente de trabalho crescentemente competitivo e, principalmente, numa maior consciência que este tipo de actuação é fortemente violador da dignidade da pessoa humana e provoca problemas graves na saúde das pessoas e no ambiente organizacional.
Vale a pena estar atento!"
José Bancaleiro
Director de Recursos Humanos do Banco Finantia e Coordenador de MBA Executivos da UAL
Publicado no Jornal de Negócios de 22 de Maio de 2007