"Viver um domingo à tarde com a perspectiva de ter de voltar à repartição na Segunda-feira é uma experiência desoladora para qualquer um de nós.
O momento de entrar para o trabalho na empresa, de manhã, implica um pesadelo recorrente, diante do qual cada um tem de armar-se de coragem e dar um passo decidido para a frente, sabendo que lá dentro "a besta" nos espera.
"A besta" não era outra pessoa senão o nosso chefe de departamento, uma pessoa perfeccionista e controladora, que se empenhava em controlar cada um dos nossos movimentos com uma dedicação e em detalhes absolutamente patológicos.
Tinha escalado as posições no organograma da nossa organização (pertencente à administração pública), gabando-se continuamente de ter sido "cozinheiro antes de ser frade" e de que não havia forma alguma de "enganá-lo" que ele já não conhecesse.
A nossa jornada de trabalho consistia em desenvolver o nosso trabalho no meio de contínuas recriminações em público, gritos e insultos, maus-tratos psicológicos e ridicularização continuada de qualquer coisa que lhe parecesse cómica no nosso trabalho, na nossa maneira de ser ou no nosso comportamento...
A todo o momento gabava-se e vangloriava-se de poder ler o pensamento dos outros e detectar mentiras mediante complexos sinais não-verbais, que ele afirmava serem infalíveis, o que fazia com que qualquer pessoa na sua presença tivesse a sensação de ser "scaneado" psicologicamente por algum membro da Gestapo, reencarnado nos nossos dias em forma de funcionário público.
Entre as coisas que, segundo ele, justificavam a sua qualidade como autoridade e o seu nível na administração, destacava o facto de ser capaz de detectar imediatamente o erro em qualquer documento que lhe passássemos, explodindo literalmente de ira ao identificá-lo, lançando à cara do infeliz autor do "crime" o documento inteiro, ou rasgando-o em mil pedaços e espalhando-o sobre a cabeça à maneira de castigo pelo erro.
Esta maneira de proceder do chefe fazia com que as demais secções nos chamassem de "Auschwitz", ou que, quando alguém tivesse que confiar algo ao nosso departamento, se referia ao facto de que teria de dar uma volta pelo "Vietname".
Ainda que nessa altura, em toda a organização ele já fosse chamado de "o abominável" ou "Doutor Jekyll", nos orgãos legislativos superiores ninguém fez nada para o remover do seu cargo nem para reduzir os danos que havia causado nos funcionários...
A descrição de António, funcionário público de 45 anos, com vinte de exercício no Ministério e alguns triénios sobre os ombros, não permite esquecer as sequelas que lhe deixou a passagem do "abominável" pelo seu departamento nos quatro anos que nele permaneceu até o promoverem para outro local de órgão público, onde encontrou novas vítimas para atormentar.
Entre os dezasseis funcionários do seu departamento, houve danos psicológicos diversos: duas pessoas caíram fulminadas por infarte de miocárdio, e uma delas faleceu quando isso aconteceu pela segunda vez.
Nesses quatro anos, seis pessoas pediram transferência para outros departamentos, nos quais quase sempre tiveram de executar trabalhos cosiderados menos interesssantes ou abaixo das suas qualificações profissionais.
Apesar disso, solicitaram as transferências.
Várias pessoas tiveram problemas de ansiedade e stress, sendo tratadas mediante ansiolíticos e tranquilizantes.
Uma dessas pessoas apresentou um pedido voluntário como excedente no serviço e outra reformou-se antecipadamente.
A maioria delas, de maneira periódica, enfrentou estados de depressão, e quase todas apresentavam um quadro que abrangia insónia, confusão, problemas de concentração e falta de memória.
Isso fez com que a taxa de dias de falta por doença fosse muito elevada no departamento.
O psicoterror chegou a dominar de tal maneira as suas existências que não ousavam sequer comunicar-se entre si no escritório, por medo da delacção, que era sistematicamente potencializada pela conduta e pelo estilo de direcção do chefe, que funcionava segundo a ordem "divide e vencerás".
A perseguição não se realizava contra todos de maneira global, pois consistia no facto de que, periodicamente, o chefe se fixava num funcionário que, a partir de então, e durante uma temporada, passava a ser o "alvo" preferido dos ataques, mediante zombarias, deboches, acusações, etc.
Diante disso, os outros colegas suspiravam aliviados, porque fora outro o escolhido.
As reuniões "com participação", para as quais convocava todos os membros do departamento, normalmente realizadas fora do horário de trabalho, serviam principalmente para insultar e amedrontar os que se atrevessem a dar uma opinião pessoal ou apresentar alguma ideia, por meio de ridicularização dos seus pontos de vista, repreensões indignadas e até mesmo desqualificações pessoais.
As queixas dirigidas ao serviço de medicina do trabalho do organismo público ou aos representantes sindicais não serviram para corrigir nem emendar a situação, nem sequer para chamar o chefe à atenção por uma conduta de assédio psicológico que intimidou toda a secção durante anos.
"...ninguém fez nada por nós, nem sequer nós mesmos, até que foi demasiado tarde para alguns", comenta António com tristeza."
in Mobbing de Iñaki Zabala
O momento de entrar para o trabalho na empresa, de manhã, implica um pesadelo recorrente, diante do qual cada um tem de armar-se de coragem e dar um passo decidido para a frente, sabendo que lá dentro "a besta" nos espera.
"A besta" não era outra pessoa senão o nosso chefe de departamento, uma pessoa perfeccionista e controladora, que se empenhava em controlar cada um dos nossos movimentos com uma dedicação e em detalhes absolutamente patológicos.
Tinha escalado as posições no organograma da nossa organização (pertencente à administração pública), gabando-se continuamente de ter sido "cozinheiro antes de ser frade" e de que não havia forma alguma de "enganá-lo" que ele já não conhecesse.
A nossa jornada de trabalho consistia em desenvolver o nosso trabalho no meio de contínuas recriminações em público, gritos e insultos, maus-tratos psicológicos e ridicularização continuada de qualquer coisa que lhe parecesse cómica no nosso trabalho, na nossa maneira de ser ou no nosso comportamento...
A todo o momento gabava-se e vangloriava-se de poder ler o pensamento dos outros e detectar mentiras mediante complexos sinais não-verbais, que ele afirmava serem infalíveis, o que fazia com que qualquer pessoa na sua presença tivesse a sensação de ser "scaneado" psicologicamente por algum membro da Gestapo, reencarnado nos nossos dias em forma de funcionário público.
Entre as coisas que, segundo ele, justificavam a sua qualidade como autoridade e o seu nível na administração, destacava o facto de ser capaz de detectar imediatamente o erro em qualquer documento que lhe passássemos, explodindo literalmente de ira ao identificá-lo, lançando à cara do infeliz autor do "crime" o documento inteiro, ou rasgando-o em mil pedaços e espalhando-o sobre a cabeça à maneira de castigo pelo erro.
Esta maneira de proceder do chefe fazia com que as demais secções nos chamassem de "Auschwitz", ou que, quando alguém tivesse que confiar algo ao nosso departamento, se referia ao facto de que teria de dar uma volta pelo "Vietname".
Ainda que nessa altura, em toda a organização ele já fosse chamado de "o abominável" ou "Doutor Jekyll", nos orgãos legislativos superiores ninguém fez nada para o remover do seu cargo nem para reduzir os danos que havia causado nos funcionários...
A descrição de António, funcionário público de 45 anos, com vinte de exercício no Ministério e alguns triénios sobre os ombros, não permite esquecer as sequelas que lhe deixou a passagem do "abominável" pelo seu departamento nos quatro anos que nele permaneceu até o promoverem para outro local de órgão público, onde encontrou novas vítimas para atormentar.
Entre os dezasseis funcionários do seu departamento, houve danos psicológicos diversos: duas pessoas caíram fulminadas por infarte de miocárdio, e uma delas faleceu quando isso aconteceu pela segunda vez.
Nesses quatro anos, seis pessoas pediram transferência para outros departamentos, nos quais quase sempre tiveram de executar trabalhos cosiderados menos interesssantes ou abaixo das suas qualificações profissionais.
Apesar disso, solicitaram as transferências.
Várias pessoas tiveram problemas de ansiedade e stress, sendo tratadas mediante ansiolíticos e tranquilizantes.
Uma dessas pessoas apresentou um pedido voluntário como excedente no serviço e outra reformou-se antecipadamente.
A maioria delas, de maneira periódica, enfrentou estados de depressão, e quase todas apresentavam um quadro que abrangia insónia, confusão, problemas de concentração e falta de memória.
Isso fez com que a taxa de dias de falta por doença fosse muito elevada no departamento.
O psicoterror chegou a dominar de tal maneira as suas existências que não ousavam sequer comunicar-se entre si no escritório, por medo da delacção, que era sistematicamente potencializada pela conduta e pelo estilo de direcção do chefe, que funcionava segundo a ordem "divide e vencerás".
A perseguição não se realizava contra todos de maneira global, pois consistia no facto de que, periodicamente, o chefe se fixava num funcionário que, a partir de então, e durante uma temporada, passava a ser o "alvo" preferido dos ataques, mediante zombarias, deboches, acusações, etc.
Diante disso, os outros colegas suspiravam aliviados, porque fora outro o escolhido.
As reuniões "com participação", para as quais convocava todos os membros do departamento, normalmente realizadas fora do horário de trabalho, serviam principalmente para insultar e amedrontar os que se atrevessem a dar uma opinião pessoal ou apresentar alguma ideia, por meio de ridicularização dos seus pontos de vista, repreensões indignadas e até mesmo desqualificações pessoais.
As queixas dirigidas ao serviço de medicina do trabalho do organismo público ou aos representantes sindicais não serviram para corrigir nem emendar a situação, nem sequer para chamar o chefe à atenção por uma conduta de assédio psicológico que intimidou toda a secção durante anos.
"...ninguém fez nada por nós, nem sequer nós mesmos, até que foi demasiado tarde para alguns", comenta António com tristeza."
in Mobbing de Iñaki Zabala