"É claro que importa aqui ponderar toda uma multiplicidade de factores, como já foi referido: o grau de familiaridade tolerado ou permitido na empresa ou até numa certa profissão de acordo com os usos (pense-se que uma certa expressão corrente no âmbito da construção civil entre um capataz e serventes pode revelar-se extremamente ofensiva noutro contexto), a circunstância de se tratar da primeira infracção ou de uma reincidência, a posição hierárquica do trabalhador, a sua antiguidade.
Trata-se aqui, (...), de factores a que há que atender ao decidir da adequação ou proporcionalidade da sanção à gravidade da conduta e à culpa do infractor. Aliás, tais factores podem influir quer sobre a gravidade objectiva da conduta, quer sobre a sua censurabilidade.
(...)
Em todo o caso, e para que se trate de uma desobediência ilegítima, a ordem há-de ser, como já se disse, legítima, não podendo, pois, violar os direitos e garantias do trabalhador.
(...)
Importará, também, ter presente a própria forma como a ordem é dada e apreciar se ela pode ou não ser considerada vexatória.
Num caso decidido por um tribunal francês, uma chefe de secção lançou propositadamente um objecto para o chão e ordenou a uma trabalhadora que o apanhasse. A recusa desta não pode, em rigor, ser considerada ilegítima face à conduta abusiva do superior hierárquico.
O dever de respeito, convém não esquecer, existe nos dois sentidos."
Faço aqui um apontamento sobre um episódio vivido por mim na Vodafone quando uma "colega", (que naquela data ainda nem sequer constava dos quadros de pessoal da empresa), me enviou um e-mail no qual me pedia, a mim especificamente, com conhecimento de terceiros, para ir verificar a limpeza numas determinadas casas de banho do edifício. Como é óbvio, não fui.
"Um certo "desvio de poder" pode verificar-se, ainda, de outros modos: a nossa jurisprudência teve já o ensejo de se pronunciar sobre um caso em que a ordem parecia visar, sobretudo, uma autoincriminação do trabalhador.
No caso - decidido pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Abril de 1991 - um superior hierárquico "detectou irregularidades e anomalias em processos referentes a transportes efectuados" em que o trabalhador, primeiro oficial nas instalações daquela sociedade no Porto, interviera e pediu-lhe explicações.
O trabalhador deu tais explicações verbalmente, invocando que a sua conduta correspondia à prática corrente na empresa e que tinha, também, solicitado instruções a outro superior em Lisboa. Mesmo assim foi-lhe exigido que prestasse tais esclarecimentos por escrito, ao que o trabalhador se recusou por acreditar, (...) que já prestara explicações suficentes. O Tribunal considerou que face às circunstâncias do caso o trabalhador podia ter legítimas dúvidas quanto à verdadeira razão por detrás da exigência de resposta escrita - que parecia pretender "obter elementos incriminadores e não apenas esclarecedores" - o que justificaria a sua recusa.
(...)
O dever de obediência do trabalhador cessa quando as ordens da entidade patronal sejam ilegítimas ou ilegais, designadamente nos casos em que sejam materialmente ilícitas por exorbitarem dos poderes patronais ou por o seu cumprimento importar a violação de um direito ou de um interesse do trabalhador legalmente protegido.
Em vários ordenamentos consagra-se, também, o princípio de que o dever de obediência cessa quando a ordem do empregador for ilegal de tal modo que o seu cumprimento se traduz numa ilegalidade.
(...)
Porque, no fim de contas, a quem é que se deve obediência primeiro? Ao patrão ou à lei?"
In Trabalho e Relações Laborais, Cadernos Sociedade e Trabalho, nº 1, 2001, pp. 179-187
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