"À Arminda dói-lhe o pulso direito.
Já não consegue executar, com a mesma destreza, os respectivos movimentos que implica o seu posto na linha de montagem.
Debate-se com dores para conseguir cumprir os objectivos de produção, mas o braço recusa a autoflagelação.
E Arminda procura então o médico de Trabalho da empresa.
O médico prescreve-lhe injecções de cortisona, fisioterapia e um exame, indicando-lhe um outro clínico especialista, com quem trabalha regularmente.
É Arminda que custeia o exame: são 75 euros a menos no seu salário.
Pouco tempo depois chegam os resultados: tudo bem com o pulso direito.
Arminda retoma o trabalho e, para aliviar a zona afectada, tenta forçar o trabalho recorrendo mais à mão esquerda.
As dores não desaparecem.
Ao fim de mais uns meses, pede baixa médica.
Não é a primeira naquela fábrica a acusar dores.
E, tal como as colegas que já há muito se iniciaram naquele calvário, procura o delegado sindical, que é quem sugere que Arminda peça ao médico da empresa que participe o seu caso ao Centro Nacional de Protecção Contra os Riscos Profissionais (CNPCRP) da Segurança Social.
O médico diz-lhe que não é necessário, mas Arminda insiste.
E assim se faz a participação, que seria obrigatória, preenchendo os papéis com as necessárias assinaturas de Arminda, do médico e do técnico de Higiene, Segurança e Saúde da empresa.
O processo começa agora no âmbito do CNPCRP.
Por isso, à Arminda é certificada a incapacidade temporária para o trabalho, pelo que fica de baixa por doença profissional, sem trabalhar e com pensão da Segurança Social, esperando que o CNPCRP a chame para fazer exames.
Passa um ano e é-lhe marcada realização de exames ao pulso direito.
Queixa-se também do pulso esquerdo, que sofrera em nome do alívio da outra mão.
Mas no CNPCRP dizem-lhe que o exame será apenas ao pulso direito, pois é esse que consta no processo e os papéis são soberanos.
Passam quase três meses até chegarem os resultados, porque o exame precisa ainda de seguir até aos serviços centrais do CNPCRP, em Lisboa, e o processo fora iniciado no Porto.
Resultado?
O médico da empresa vê desmentida a primeira avaliação.
Arminda vê justificadas as suas dores porque o resultado indica grave incapacitação.
E passa a integrar a lista de pensionistas por incapacidade permanente para o trabalho, a cargo da Segurança Social.
Arminda é nome fictício e a história foi relatada por uma delegada sindical que pede o anonimato.
É apenas uma entre muitas outras de um processo verdadeiramente "kafkiano"."
Fonte: Jornal Público (R.M.)